Conto: As várias vidas
- Margarete Bretone

- 17 de mai. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 27 de mai. de 2021
Ela ouvia os

gritos, mas os dentes batiam com tanta força um no outro que não era capaz de responder até o término daquele round em uma luta que pouco entendia, tampouco sabia quem estava ganhando. Ela, com certeza, perdia de forma vergonhosa. A consciência aos poucos se esvaía.
Tinha a certeza que as vozes estavam próximas, mas nem assim conseguia articular uma palavra sequer. Talvez até o cérebro estivesse congelando aos poucos naquele inicio de manhã cujo orvalho rasgava a pele e formava esculturas congeladas ao redor.
Aconchegou o amontoado de lã e pelos sobre o peito e respirou fundo. Em outro momento poderia fazer algo menos vergonhoso, mas se nem a voz dava o ar da graça, locomover-se de lá seria algo ainda mais difícil, por isso estava encolhido entre uma árvore e um amontoado de folhas.
Olhou em volta, a névoa dissipando, o sol tímido e tomou uma decisão. Precisava fazer algum barulho e antes mesmo de arrepender-se jogou o corpo para cima e fincou o pé no chão.
A dor provocou a reação esperada, se estava com o pé machucado, aquele ato foi o que culminou com alguma fratura. Jurou ter ouvido um “crec”.
Uivou, literalmente, e teve o eco de um animal ferido entre as árvores em resposta. As vozes calaram, tanto melhor. A realidade dava lugar a uma alucinação onde gotas tornavam-se navalhas cravadas no tornozelo.
Ousou jogar o peso sobre o pé uma segunda vez e tudo escureceu. Não antes de um novo lamento que fez pássaros voarem descompassados.
Ela arregalou os olhos em uma tentativa de manter a sanidade, de manter-se acordada, mas as pernas falharam de forma vergonhosa e ela caiu.
Mesmo em um delírio de dor, de frio, foi capaz de virar o corpo, mas a inconsciência veio rápida.
Não foi capaz de ouvir os miados agudos , só soube que todos estavam bem horas depois, o pé engessado, soro no braço e um sorriso besta no rosto ao ver os filhotinhos resgatados durante a noite.
Sorriu ao sentir uma leve mordida na ponta do dedão do pé.
Ao menos teria companhia durante a convalescência.






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