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Conto: Vida clichê

  • Foto do escritor: Margarete Bretone
    Margarete Bretone
  • 27 de jun. de 2022
  • 2 min de leitura

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A garota vinha gingando pela rua, cabelos loiros esvoaçando ao vento...

- Clichê.

Ela andava fingindo confiança, esperando não dar vexame no primeiro dia de aula quando não percebeu que o cadarço do converse vermelho estava desamarrado e...

- Nossa, muito clichê.

Ela apoiou a cabeça na mão direita e não foi capaz de conter o suspiro que cresceu lá do fundo e que quase a denunciou. Aquele rapaz mexia com ela, porte atlético, cabelo sempre impecável e olhos...

- Não, por tudo que é mais sagrado, não! Essa porcaria não está dando certo!

- Falando sozinha, amiga?

- Não, só estou irritada por não conseguir escrever uma frase decente.

- E falando sozinha.

Os olhos castanhos me observavam através das lentes dos óculos de grau com uma nítida chacota. Falei sem nem perceber. É algo que acontece mais vezes do que eu gostaria. Guardei o caderno na mochila, não estava dando certo, escrever em uma praça cheia de gente correndo de um lado para o outro estava tirando a minha concentração e tudo que eu era capaz de fazer era criar uma sentença mais clichê que a outra.

- Não, amiga. É só um moleque andando de patins e não um monte de gente.

Eu disse que falava sem perceber, certo?

A única coisa que eu precisava era escrever um texto qualquer e minha mente não era capaz de montar uma frase minimamente aceitável e autentica. Levantei e limpei a calça com a mão, aliviada por levantar daquele chão duro de cimento. Se escrever não estava dando certo, talvez ler ajudasse um pouco e isso seria sanado em questão de minutos, era só atravessar a rua, pegar um livro emprestado da biblioteca e pronto! Aghata Christie, Morte no Nilo resolveria todos os meus problemas, ou, talvez, Clarice Lispector...

Saí andando, simples assim, sem olhar para os lados, sem ver se o menino de patins vinha em minha direção. Ouvi o grito, mas não tive tempo para nada, o tranco me empurrou para o lado e eu fui fazendo uma curva no ar que nunca poderia explicar, misturando as copas das árvores com as nuvens pesadas que anunciavam uma chuva que nunca vinha e cai.

Pessoas correndo, mais palavras que eu não estava conseguindo entender e as pernas se amontoaram ao meu redor. Onde esse povo estava quando ouvi que só tinha o moleque de patins ali? Tentei entender o que estavam fazendo, mas braços fortes me ergueram sem dificuldade e eu só fui capaz de observar os olhos verd...

- Caramba, até minha vida está virando clichê demais. – resmunguei observando a bicicleta que tinha me atropelado.

- É, mas quero ver se vai continuar clichê quando esses arranhões começarem a arder.

E arderam.

 
 
 

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