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Conto: O blefe

  • Foto do escritor: Margarete Bretone
    Margarete Bretone
  • 21 de set. de 2020
  • 2 min de leitura

Atualizado: 27 de mai. de 2021


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Ela não movia um músculo sequer. Os olhos chegavam a arder e mesmo assim nem queria piscar.

O homem a sua frente mantinha um sorriso de deboche e batucava o indicador no tampo da mesa de forma descontraída. Provavelmente aguardando o momento em que ela se renderia, mas eles estavam em um jogo, literalmente.

O tic tac do relógio, as folhas das samambaias balançando com o vento e até um grilo insistente perdido no meio das plantas eram testemunhas do esforço que ela fazia.

Ele era o rei do blefe com aqueles olhos azuis capazes de detectar cada movimento, capazes de ler mentes, inclusive.

E quando sequer imaginou, ele já estava pronto para a próxima jogada que ela não foi capaz de prever.

Uma carta lançada sobre a mesa e ela bufou. Tinha perdido a partida mais uma vez.

- Você trapaceou.

Usou o argumento de sempre.

- E você tem cinco minutos.

Ela olhou para o alto, para os ponteiros que denunciavam sua falta de sorte.

Levantou em um salto, pegou a mochila abandonada no chão e começou a correr, mas esqueceu do enorme vaso de bromélia logo atrás e com um grito preso na garganta rolou sobre as margaridas.

A camiseta imaculada imediatamente mostrou o desastre que foi aquela tentativa de dobrar o tempo e ela soltou um muxoxo.

Joelho ralado, mãos doendo, roupas estropiadas foi o resultado de uma escapadela e ouviu um riso quebrar o silêncio que denunciava o prenúncio da revolta diante da terrível má sorte.

Ela inspirou uma vez.

Precisava se conter.

Respirou a segunda vez.

Fechou os olhos para poder se controlar.

Inspirou a terceira e a gargalhada veio alta, lá do fundo do peito, roubando o ritmo da situação.

O joelho doeu? Sim.

A camisetas sujou? Claro.

O atropelo foi hilário?

Ela não saberia dizer, mas ver um vaso rolar, um canteiro de flores trocar o lugar com o céu a fez perder controle até a barriga doer e as lágrimas escorrerem pelas bochechas.

- Vai logo pra sua casa, menina.

Ele tentou parecer sério, mas a imagem da garota rolando com os olhos esbugalhados não sairiam da memória tão cedo.

- Eu vou, mas amanhã eu volto, seu velho rabugento e trapaceiro.

Ele recolheu as cartas e ignorou a garota tentando limpar a camiseta.

- Ainda vou fazer você engolir esse sorrisinho...

- Também te amo, quando vir minha neta fala que ela precisa arrumar meu canteiro destruído.

- E quando você falar com meu avô pede para ele deixar eu ganhar a partida pelo menos uma vez na vida.

Saiu caminhando e quase tropeçou em outro vaso.

 
 
 

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