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Conto: Proibido - A vingança

  • Foto do escritor: Margarete Bretone
    Margarete Bretone
  • 6 de out. de 2021
  • 3 min de leitura


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A poça no chão formou-se tão rapidamente que ele concluiu ter a desculpa perfeita. Entrar pela porta da cozinha era o mais acertado depois de estar praticamente todo ensopado do temporal que caíra minutos atrás. A realidade era que ele caminhou pensando em uma estratégia para esconder o que carregava dentro do casaco.

Porcaria de vida, onde precisava esconder uma guloseima para não sofrer reprimenda.

A máxima que diz "o que é proibido é mais gostoso" era mais do que real para ele e aquele sonho que carregava dentro de um saco de papel poderia ser algo danoso para ele, mas, mesmo assim, gostava do perigo.

- Luli, é você?

Ouviu a voz da mulher segundos antes de colocar o "fruto proibido" bem no fundo da geladeira, na gaveta de legumes.

- Luli, é você?

Ele fechou a geladeira rapidamente e começou a retirar o casaco molhado.

- Ai, ai, ai! Que susto! Tá querendo me matar?

- Não amor, entrei por aqui pra não molhar o tapete da sala.

Uau, estava aplaudindo em silêncio por ser tão persuasivo. Olhou para as próprias roupas e mostrou a água que escureceu a calça e encharcou os sapatos.

- Pensei que era a Luli...

- Não, eu nem vi...

- Luliiiiiii.

Ele pulou no lugar, aquele foi um grito estridente, tão alto e tão fino que sentiu um arrepio dentro do ouvido.

- O que você fez? O portão está aberto, seu maluco!

Ele correu até a janela e observou o pequeno portão balançando com o vento. Tinha a mais nítida lembrança de ter travado a tramela, mas... pensando bem, com o guarda-chuva na mão, o sonho dentro do casaco e a preocupação de não ser pego em flagrante e ao mesmo tempo não amassar o doce todinho embaixo do braço... é, o portão foi a menor das preocupações.

- Eu vou atrás dela, amor, não se preocupe.

Ele se prontificou, tinha feito merd@, precisava corrigir aquele erro e ir atrás da cachorra. Ela não devia ter ido longe e... olhou para trás, a mulher não tinha percebido, mas o rastro de água denunciava que ele tinha ido até a geladeira. Fingiu estar com sede, pegou um copo simulando uma pressa só para arrastar o tapetinho da pia e apagar as pegadas molhadas, sinônimo de sua falta de perícia e saiu torcendo para encontrar logo a fujona.


***


Ploc!

A coisa era estranha, meio gelada e muito molhada.

Ploc! Ploc! Ploc! Muito gelado! Muito molhado!

Língua de fora.

Baruuuuuuulho!

Susto! Agitou o corpo de um lado para outro. Tão bom. Orelha batendo de um lado, batendo de outro e aquele tremor todo pelo corpo.

Grito!

Correu para longe, a língua ainda mais pra fora.

Cheiro! Cheiro, cheiro, cheiro, cheiro bom!

Menino parado com um cheiro na mão e aproximou-se balançando o rabo.

Cheirou um pouco, deu um passo e foi envolvida pela vontade avassaldora de abrir a boca.

Abocanhou.

O pedaço de coxinnha na mão do menino e outro fazendo um gosto bom espalhar pela língua.

- Luli!

Ela conhecia aquela voz e o rabo balançou um pouco mais, mas aquilo dentro da boca era tão gostoso e tinha mais, era só pegar mais um tiquinho.

- Não, Luli, não faça isso.

Ela não conseguiu, foi puxada para trás e fez força contrária, mas de nada adiantou.

- Desculpe, desculpe, ela fugiu e…

Ela olhou para cima, ele era muito mais alto que o menino que observava a própria mão.

- Acho melhor pagar outro salgado…

- Não, não. Só tire esse cachorro de perto do meu filho.

- É cachorra.

Ela sentiu novamente o puxão e foi levada pela rua molhada até ver o portão e correr para dentro, pulando por todos os lados. Aquele lugar tinha um cheiro bom também e ela não conseguia parar quieta.

- Ela estava em frente a padaria e…

Ele parou de falar ao passar pelo umbral da porta, a mulher com os cantos dos lábios sujos de açúcar olhou para ele, piscou e lambeu os dedos devagar.

- Obrigada, amor, estava doida pra comer um sonho. Pena que sua diabetes não permite, senão eu teria dividido com você.

Ele coçou a cabeça, aquela mulher tinha algum sensor ou algo assim? Não foi capaz de responder ao ouvir outro grito.

- Luliiii.

Correu para a sala e sorriu com a cachorra tentando se secar sobre o sofá, a bunda pra cima e a cara sendo esfregada de um lado a outro.

Ele ficou sem o sonho, mas estava se divertindo com o pesadelo na forma de uma cachorra totalmente estabanada.

 
 
 

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